Este ano, o Festival, que ocorreu entre os dias 13 e 24 de maio, contou com dois curtas brasileiros de Vera Egito (“Elo” e “Espalhadas pelo Ar”) e um longa verde e amarelo de Heitor Dhalia (“À Deriva”, concorrendo na mostra paralela “Un Certain Regard”). A abertura da festa francesa do cinema ficou por conta da animação “Up – Altas Aventuras”, que foi exibido em 3D no Palais des Festivals e seguido por um jantar de gala.
Entre os que disputaram o prêmio Palma de Ouro, a competição principal, estavam diretores consagrados como Lars Von Trier (“Antichrist”), Ang Lee (“Taking Woodstock”) Quentin Tarantino (“Inglorious Basterds”), Ken Loach (“Looking for Eric”), Pedro Almodóvar (“Los Abrazos Rotos”) e Jacques Audiard (“Un Prophète”). Ainda assim, quem venceu a disputa foi o austríaco Michael Haneke com “Das Weisse Band” ou “The White Ribbon”. A característica comum entre eles foi a grande duração dos filmes: a grande maioria possuía mais de 2 horas de duração. Segue abaixo a lista com os premiados desse Domingo, dia 24, último dia do festival.
Palma de Ouro (Primeiro Lugar): "The White Ribbon", de Michael Haneke
Grand Prix (Segundo Lugar): "Un Prophète", de Jacques Audiard
Prêmio do Júri (Terceiro Lugar): "Fish tank", de Andrea Arnold e ''Thirst'', de Park Chan-wook
Prêmio Especial pelo Conjunto da Obra: Alain Resnais
Melhor diretor: Brillante Mendoza por "Kinatay"
Melhor ator: Christoph Waltz, ''Inglorious Basterds"'
Melhor atriz: Charlotte Gainsbourg, por ''Antichrist''
Melhor roteiro: Feng Mei por ''Spring fever''
Câmera de Ouro (diretor estreante): ''Samson and Delilah'' de Warwick Thornton
Melhor curta-metragem: ''Arena'', de João Salaviza
Destaques
Up
Se “Up”, da Pixar, abriu o festival de Cannes é porque há algo de especial nesse que foi o primeiro filme de animação a abrir o festival de 62 anos. Como se não bastasse, também foi o primeiro filme em 3D a ter essa honra. O filme trata da história do ranzinza Carl Fredricksen, de 78 anos, que realiza seu sonho de ir visitar as florestas sulamericanas através de seu plano ambicioso: fazer sua casa voar por meio de balões de hélio. O que Carl não imaginava é que um rechonchudo garoto de 8 anos acabou embarcando na empreitada também. A viagem, entretanto, não ocorre isenta de perigos. A dupla adversa vai se encontrar vivendo grandes aventuras que prometem entreter os grandes amantes de animações à la Toy Story. O filme é dirigido por Pete Docter, de “Monstros S.A.”, e escrito por Bob Peterson, de “Procurando Nemo”. Mesmo sem concorrer a nenhum prêmio em Cannes, a superprodução da Disney Pixar foi um dos grandes destaques do festival.
The Imaginarium of Doctor Parnassus
O maior mérito do filme de Terry Gilliam foi conseguir terminá-lo mesmo com a surpreendente morte de Heath Ledger durante as gravações do filme. A solução de Gilliam foi usar os atores Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrel para tornar Tony, o personagem de Ledger, em um homem que muda de aparência conforme viaja em mundos imaginários. Os grandes atores que socorreram o diretor doaram todo o dinheiro que receberam pelo filme a Matilda, a filha de Heath Ledger. A história em si é bastante intrigante. Dr. Parnassus, vivido por Christopher Plummer (cuja voz estará em Up), é um homem que negocia a sua imortalidade com o diabo, Mr. Nick, mas ao encontrar o amor de sua vida decide trocar a sua imortalidade pela juventude eterna. O preço seria a sua filha quando completasse 16 anos. Arrependido de seu erro, tenta, a qualquer custo, desfazê-lo enquanto a menina se aproxima da idade em que se tornará propriedade do dito cujo. O filme, que não concorreu a nenhum prêmio no festival, tem inspirado muita simpatia em toda a crítica.
Das Weisse Band
O longa-metragem de Michael Haneke, austríaco que levou seu filme “Cachê” ao festival em 2005 saindo vitorioso na categoria de melhor diretor, nessa edição de Cannes levou o prêmio mais cobiçado: o Palma de Ouro. “The White Ribbon” é um filme rodado em preto e branco sobre uma série de acontecimentos misteriosos em uma pequena cidade alemã pouco antes do início da Primeira Guerra Mundial. A escolha de um filme reconhecidamente pacato ao foi surpreendente, ainda que Haneke já tivesse sido favorito ao Palma de Ouro em 2005. O diretor recebeu o prêmio alegando que se sentia realmente feliz e agradeceu, principalmente, à sua esposa. A forma como recebeu o prêmio o distanciou um pouco da imagem de ranzinza que ele tradicionalmente passa. Uma das figuras que mais elogiou o filme foi a atriz francesa Isabelle Huppert, que presidiu o júri do Cannes 2009. Huppert já havia sido dirigida por Haneke anteriormente.
Antichrist
O dinamarquês Lars Von Trier, realizador de filmes como “Dogville” (2003) e “Dançando no Escuro” (2000), dividiu opiniões no festival com seu “Antichrist”. Prova disso foi a mistura de vaias e aplausos ao fim da exibição do filme. Parece que quem gostou, amou, como Damon Wise, da revista inglesa especializada em cinema Empire (“Algo completamente bizarro, massivamente não-comercial e estranhamento perfeito”); e quem não gostou, achou terrível, como Todd McCarthy da revista americana Variety (“Lars Von Trier faz um grande gordo filme-arte ter flatulência com “Antichrist”)”. Como é característico do cineasta, o filme envolve a platéia num turbilhão emocional com imagens perturbadoras para contar a história de uma mãe que tenta se recuperar da morte de seu filho, mas acaba vivendo dias assustadores em uma casa onde fica com seu marido, que é interpretado por Willem Dafoe. Essa mãe foi tão bem vivida por Charlotte Gainsbourg que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz, que ela, emocionada, fez questão de dividir com Von Trier. O polêmico “Anticristo” terá exibições no Brasil em Setembro.
Inglorious Basterds
O estilo tragicômico sangrento do diretor estadunidense Quentin Tarantino, de “Kill Bill” (2003), está de volta com “Inglorious Basterds”, cujo enredo se passa na Segunda Guerra Mundial, em uma situação ficcional na qual um grupo composto por diversas nacionalidades resiste ao nazismo na França ocupada. A excentricidade característica do cineasta é mostrada dessa vez através das atuações exageradas e fantasiosas com sotaques toscos, como o do italiano de Brad Pitt (inclusive, no próprio título do filme, há a sutileza de escrever “bastards” com “e”). Talvez esse seja o motivo para que o crítico de cinema Peter Bradshaw do jornal inglês The Guardian diga que o filme não anima, não é engraçado e não é realista. Tarantino muda a história mundial com seu filme que foi muito aclamado no festival e deu ao austríaco Christoph Waltz o prêmio de melhor ator. Segundo o americano, Cannes foi o momento certo para exibi-lo uma vez que o festival conta com diretores, atores e jornalistas internacionais. “Não sou um cineasta americano. Faço filmes para o planeta Terra, e Cannes é o lugar que representa isso”, disse Tarantino que passou pelo tapete vermelho de Cannes dançando. Com o nome de “Bastardos Inglórios”, o filme, cujo elenco inclui Brad Pitt, Diane Kruger e Mike Myers, já tem data de estréia no Brasil – 23 de outubro.
Los Abrazos Rotos
O espanhol Pedro Almodóvar, conhecido por “Má Educação” (2004) e “Tudo Sobre Minha Mãe” (1999) traz seu “melodramismo” bem-humorado à Riviera Francesa com “Los Abrazos Rotos”. O filme se desenvolve entorno de um diretor cego que perdeu, em um acidente, não só a visão como o amor de sua vida. Almodóvar disse que esse foi seu filme mais caro: 11 milhões de euros.
O personagem principal do filme, que é um diretor de cinema, ao ficar cego decide parar de usar seu verdadeiro nome, Mateo Blanco, para criar uma nova identidade sob o pseudônimo Harry Caene, que se dedica à escrita, ao invés da direção. Ao “renascer” Harry (ou Mateo) se envolve com Lena, interpretada por Penélope Cruz, atriz frequentemente encontrada nos filmes de seu compatriota. O nova produção do mais famoso diretor espanhol conta inclusive com a gravação de um filme dentro do filme. Vale conferir.
Un Prophète
Um dos favoritos ao Palma de Ouro era o filme francês “Un prophète”, de Jacques Audiard, que acabou levando o prêmio secundário Grand Prix. No filme, quando o jovem árabe Malik El Djebenaé é preso por uma mera briga, depara-se com uma prisão dividida em facções. Lá precisará cometer crimes para adquirir proteção e sobreviver. Ele chega como um analfabeto de 19 anos, cheio de receios e fragilidades, mas ao longo do filme, com a brutalidade da vida carcerária, se torna um criminoso poderoso e seguro de si. No início o rapaz árabe comete crimes em função das ordens do líder da gangue corsa da prisão, mas logo desenvolve seu próprio plano de ação.
“Em meu filme, eu queria fazer um cara legal, como eu ou você, que também mata. Assim você pode se identificar mais facilmente com ele. Fica longe daquela moralização preta e branca”, disse o diretor em uma entrevista ao jornal americano The Huffington Post. Ao Los Angeles Times, que o considera o melhor diretor-roteirista francês sobre quem a maioria dos americanos nunca nem ouviu falar, Audiard diz que sabia que Tahar Rahim era o ator ideal para fazer o jovem criminoso desde que o viu pela primeira vez. Parece que acertou, pois praticamente todas as críticas do filme ressaltam a qualidade de Rahim, que também era forte candidato ao Palma de Ouro de melhor ator.
Se o filme, que vai além de um drama criminal e chega a se transformar em um thriller gangsteriano, fosse o vencedor, teria sido o segundo ano consecutivo que um nativo francês ganha em Cannes – ano passado o compatriota Laurent Cantet levou a Palma de Ouro por “Entre os Muros da Escola” (2008).
À Deriva
O único longa representante verde e amarelo no festival europeu de maior prestígio do cinema foi este aparentemente belíssimo filme de Heitor Dhalia, diretor pernambucano de “Cheiro do Ralo”. “À Deriva”, cujo roteiro começou a ser escrito em 2005 pela co-roteirista Vera Egito, se passa nos anos 80 e conta o rito de passagem da adolescente Filipa, de 14 anos, para a vida adulta ao descobrir que a vida perfeita que imaginava levar não era real. Ao passar as férias em Búzios com a família e uns amigos, a menina descobre que seu pai está tendo um caso com uma mulher mais nova e que a mãe está beirando o alcoolismo. No elenco, há veteranos como o ator francês (que prefere ser considerado um ator franco-brasileiro) Vincent Cassel, de filmes como “Doze Homens e Outro Segredo” (2004), e Débora Bloch, juntamente com a novata Laura Neiva, que trata seu primeiro papel no cinema, o da protagonista do filme, com tanta concentração e emoção que acaba tendo uma excelente atuação. A menina foi escolhida através do Orkut e, uma vez que negou a participação no projeto por não acreditar que fosse real, pelo MSN, quando a assistente de casting entrou em contato com ela que, finalmente, concordou.
O filme competiu na mostra “Un Certain Regard”, e apesar de ter sido ovacionado por minutos e ter arrancado diversas lágrimas da platéia, o vencedor foi o filme “Kynodontas” (“Dogtooth”) do grego Yorgos Lanthimos, cuja história é centrada numa família que decide viver enclausurada numa grande casa, inclusive educando os filmes sem sair dela. Assim evitam ter contato com o mundo exterior. Heitor Dhalia, porém, mostra-se satisfeito apenas pelo fato de ter chegado ao festival, ter emocionado a platéia e ter conseguido que o filme fosse vendido para todo o mundo – logo após a estréia no Brasil, “À Deriva” chegará à França.
“(O filme) Tem fortes elementos pessoais, eu vivi numa praia há 20 anos, meus pais se separaram quando eu saía da infância. Tenho toda essa memória, lembrança de uma praia, de um verão, e acho que é uma coisa comum a todo mundo. Todo mundo já teve um verão, já teve uma crise familiar e todo mundo já se despediu da infância algum dia”, diz o diretor pernambucano sobre este que é seu terceiro filme, em entrevista ao portal Uol. O filme estreia dia 31 de Julho nos cinemas brasileiros e o trailer está aí para dar água na boca.